Sobre a Cegueira....

quarta-feira, 24 de setembro de 2008



Seres humanos e Criminalidade.

Esse final de semana assisti a dois filmes, "Ensaio sobre a Cegueira" e o documentário "Onibus 174". E os dois, assim como alguns outros a que já assisti nos últimos tempos tratam de um assunto muito atual, apesar de o objeto de discussão ser tão antigo quanto a raça humana.
O bem e mal em todos nós na situação de seres humanos em condições extremas.
Um, em especial, já foi citado aqui, Dogville, mas prometo trazer outros.
Em Ônibus 174, na trajetória de Sandro percebe-se o pouco que foi lhe dado, e por isso, o pouco que ele poderia dar de volta à sociedade. Era alguém invisível, mais um dos meninos de rua que nos incomoda ver e quando apareceu foi com a arma em punho. É equivalente àqueles filhos de pais apáticos e desinteressados que ao invés de olhar para as boas ações, reagem só e sempre às más ações, voltando imediatamente para si mesmos assim que as más ações são coibidas. É claro que estamos falando desse caso, porque se tratando de criminalidade, não há também o mal produzido pelo mimo, falta de limites? Ou simplesmente a disposição ao mal, que dizem, não sei ao certo, que em alguns poucos é uma disposição genética, sendo mesmo assim, o papel fator ambiental importante? Há esse vídeo no globo.com sobre "cérebro moral'

http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM855332-7823-DESCUBRA+O+QUE+A+CIENCIA+CHAMA+DE+CEREBRO+MORAL,00.html

Sabemos muito sobre o que pode produzir um criminoso, mas continuamos produzindo, e diagnosticando, produzindo e diagnosticando...

Sobre Sandro, o que pode-se saber?
Sandro viveu no extremo, ficou sem ninguém aos seis anos, viciou-se cedo.
Policiais mal preparados ao lidar com o Sandro sequestrador não sabiam também ali o limite entre humanidade, ética e dever, lidavam mais com a exposição na mídia e imagem do que com qualquer outro valor. Mataram-no por frustração. Sandro era um perigo, por estar sob efeito de drogas, descontrolado, ou nunca feriria ninguém? ...é mais fácil opinar agora.

Alguns dias atrás, num caso parecido em Portugal, a polícia, dá um tiro certeiro no sequestrador e encerra a conversa. O curioso, é que um português havia dito aqui no blog, antes disso,que policiais em Portugal não matam bandidos. Bem, nesse caso resolveram matar. A polícia nesse sequestro estava muito preocupada (isso foi no ano 2000) com esse tiro em frente às câmeras. A mídia espetacular do crime estava muito em moda, fazendo grande sucesso, a preocupação não era exatamente com Sandro.

O que quero dizer é que essa discussão de violência não é assim tão fácil ou óbvia. Veja-se, primeiro, em uma situação extrema para saber exatamente quem é você, diz Saramago.

Os personagens do final de "Ensaio" saberiam melhor lidar com Sandro? ...fica a pergunta.

O que une o filme e documentário é essa chamada de atençaõ para uma espécie de cegueira que não queremos assumir.
Ensaio sobre a Cegueira trata da oposição já discutida por Carlos Drummond de Andrade em Congresso Internacional do Medo que apresenta o medo como oposto ao amor em lugar do ódio.
Em uma epidemia de cegueira onde as formas de contágio são desconhecidas, o governo resolve ir isolando os contagiados, que muito rapidamente passam a ser estigmatizados, e aí a barbárie toma conta rapidamente da cena.
O que faria VOCÊ numa situação assim?
Fernado Meirelles faz questão, como é a proposta do livro, de não identificar o país onde a epidemia acontece,e tenta retratar apenas uma metrópole qualquer.
Para isso filmou muitas cenas em São Paulo, mas com táxis, placas e qualquer outro pormenor de identificação em inglês, e a tal cidade ficou com uma cara indefinida, porque o filme não tem a linguagem de filme americano.
Acho que a idéia de Saramago era exatamente essa discussão sobre humanos, e não sobre povos. Parece óbvio, mas não é, para muitos, esses que em qualquer sinal de identidade, já tentam enquadrar a discussão a um determinado tipo de ser humano.
Aliás fico pensando que deve ser muito mais fácil entender "Ônibus 174" e Sandro que entender a discussão de Saramago.
Vemos em Ensaio pessoas que mesmo sob condições extremas tentam ser justas e pensar no próximo, pessoas que na primeira oportunidade de poder já mostram o que são, pessoas dominadas pelo medo, há um pouco de tudo.
Aos poucos as pessoas vão se animalizando, e por isso mesmo, valores melhor internalizados, isso é, quem realmente somos é o que conta nessa hora, e quando se passa por isso preservando humanidade, gentileza e bondade ganha-se muito respeito por si mesmo.
Mas ser bom não é de maneira nenhuma ser idiota ou imbecil. Ser bom é também reagir, manter-se de pé quando nossos limites foram ultrapassados, e muito.
Vale muito a pena ver o filme, recomendo.


9 comentários:

República dos Bananas disse...

Até que enfim escreves algo que me atrevo a comentar:-)
Não vi o "ensaio sobre a cegueira" mas vi o "Autocarro 174", e nesse documentário além do ridículo que achei que era assaltar um autocarro (ònibus...porquê ónibus? donde vem esse nome? óni-bus? o que é óni? bom deixa para lá), no fim de contas não percebi para onde o assaltante pretendia fugir, a segunda coisa mais ridícula que achei foi as outras mulheres do autocarro e também conhecidos e familiares do Sandro, a desculpar as atitudes dele...por acaso gostava de ouvir o que a Geisa teria para dizer, mas essa ninguém conseguiu entrevistar.
Onde eu quero chegar é que de desculpa em desculpa, se chega a uma situação destas, há muitos milhões de pessoas neste mundo que tiveram na sua infância os mesmos problemas do Sandro e não se tornaram sequestradores....ah, outra coisa que achei ridículo, o tão temido BOPE, não deu um tiro no Sandro enquanto ele andava a intimidar pessoas e a dar tiros dentro do autocarro e acaba por o assassinar (pois não tem outro nome) depois de tudo terminado...
Bem, a conversa da desculpabilização deve ser inerente a portugueses e brasileiros; quando acabei de ver esse documentário fiquei com a ideia que isso se podia ter passado cá, pois não seria a primeira vez que eu assistia a algo em que depois da actuação da polícia aparece uma legião de gente a desculpar o malfeitor...relembro agora uma situação , em que um assaltante por esticão (chamamos assalto por esticão a um assalto em que o malfeitor passa de carro ou de moto, por mulheres e rouba uma mala mal segura) passou por uma idosa e tentou roubar-lhe a mala, ela não a largou, foi arrastada uns bons metros tendo ficado muito mal tratada e quase falecido; o assaltante acabou apanhado e em tribunal na sua defesa alegou que a senhora preferiu aleijar-se a largar a mala...o estranho disto é que serviu como atenuante. Para mim, este mundo está a ficar de pernas para o ar....mas em tudo; eu que me tenho na conta de uma pessoa de bem e com dois dedos de testa, penso que a anterior é uma situação que o criminoso deveria pensar como possivel, assim, ele em vez de ser levado a tribunal por tentativa de assalto e desculpabilizado, deveria ser condenado por homicidio de forma tentada e assalto!
Pois é, por mim tenho tendencia para ver as coisas mais do tipo de Rudolph Giuliani, não foi com desculpas que ele mudou a face da violência de Nova Iorque, não foi com paninhos quentes que a criminalidade lá baixou mais de 50 ou 60%; por norma nós somos considerados um povo de brandos costumes, a criminalidade que agora está cá a chegar (inclusivamente do Brasil mas não só, também de países do leste europeu, de outros paises da UE, africana e portuguesa), não pode ser tratada com paninhos quentes porque dentro em pouco a autoridade do estado não existe, eles sabem a complacência com que são por cá tratados.
Quanto à história do brasileiro que cá foi morto pela polícia, ameaçava transformar-se num outro "autocarro 174", a única diferença é que aconteceu num Banco, felizmente que a polícia ao fim de 8 horas resolveu a questão...mas a polícia hoje em dia tem tanto medo de actuar, que apenas os dedos que carregaram nos gatilhos eram polícias, o resto, a autorização, veio do 1ºministro e do ministro da administração interna...EU TINHA DADO CINCO MINUTOS AOS ASSALTANTES PARA SE RENDEREM E NO FIM DO 4º MINUTO DISPARAVA....
No entanto foi interessante ver os familiares deles a dizerem que iam intentar acções em tribunais portugueses contra a polícia e o estado, achei interessante haver advogados suficientemente desonestos para intentarem essas acções.
E também foi interessante ver tanto jornalista junto a transmitir a mesma coisa....se eu mandasse alguma coisa, ninguém teria visto nada, no fim saberiam o que tinha acontecido, e essa é outra coisa que achei ridículo no autocarro 174; jornalistas na frente do autocarro a filmar a um, dois ou três metros do Sandro....A meu ver, pode-se dizer que os jornalistas assassinaram a Geisa, pois se não estivessem presentes, duvido que esse assalto durasse tanto e duvido também que ele não desistisse.
PARA MIM ESTE MUNDO ESTÁ TODO AO CONTRÁRIOooooooo.....o criminosso passa por coitado, a vítima passa por vilão, dão-se vivas a artistas mediocres, não se respeita o outro, fazem-se vénias ao dinheiro facil, avilta-se o trabalho honrado...não, decididamente este não é o meu mundo...EU QUERO IR PRA ILHAAAAAAAA :-)

Unknown disse...

Republica´eu acho que nós dois temos razão, (só não concordo com os tais 4 minutos e outros pequenos detalhes, mas no geral, concordo) e é esse todo o problema na discussão de crimes. É muito fácil dizer que Sandro tinha opções, nós que não sabemos nem de perto o que é ser Sandro. Há quem opte por outro caminho, é claro que há. Mas a realidade pra essas crianças é um monstro poderoso, não tem como negar. Por outro lado, o que fazemos quando perde-se o controle de tudo? O exemplo de Nova Yorque e o Tolerancia Zero é sempre citado aqui, também, alguns dizendo que ele exportou criminosos, mas não importa, resolveu e resolveu realmente, o problema. Uma posição mais firme e disciplinadora, de um Estado presente, e não invisível seria realmente o ideal. Não foi a toa que falei de sobre pais...pq em plena era em que se discute tanto disciplina...o que se diz sobre isso? é preciso empenho, presença, dedicação, e sim, disciplina. Pode-se criar um filho só com disciplina, e descaso? Sim, pode, mas corremos o risco de alguns resultados não muito bons.E pouca disciplina e descaso? Bem, o contrário é mais fácil de prever, está aí pra quem quiser ver, nas nossas fámilias. Pais de verdade tanto disciplinam quanto são presentes e cuidadosos.
Pelo menos, é o ideal. Não podendo ter o ideal que pelo menos sejamos humanos o suficiente pra dar um tiro no braço, corpo, de maneira a resolver o problema. Eu vejo que queremos ser super homens, seres ideais, quando precisamos é entrar na lama mesmo, não tem jeito. Essa sociedade não é ideal. Não foi nada ideal pra Sandro e não é pra nós, mesmo que tenhamos sempre, que lutar pra que seja. Sobre desculpas, que eu chamo de explicações, pq vejo razão nelas, eu já disse aqui diversas vezes, que uma ação ruim, é uma ação ruim, e pronto. Precisa ser assim.
Esses meninos, precisam de um Estado acolhedor e forte o suficiente pra dizer a eles que ações ruins não serão toleradas.
Pra quem já chegou ao extremo de assaltar um banco, o que fazer? Dar sim, o tiro que ele com certeza sabia que corria o risco de levar. Quando eu falei sobre o caso aí quis dizer exatamente isso, que o senhor Braga no intuito de querer me provar que eu, por ser brasileira sou inferior a ele, veio com essa de que policia aí não mata. E se a coisa ficar feia,sem controle, e começarem a matar? Por que pelo que vejo, em Portugal há esse discursos também de mamãezinha boa zinha e pai despota, que houve aqui, e vemos o resultado. é importante sim, unir esses discursos, pq os dois lados tem razão, deixar os extremos de lado, e aí sim, dá pra sociedade, unida, resolver a questão.
Para isso assistam, por favor, "Ensaio sobre a Cegueira" e "Dogville". Nos dois, as melhores pessoas nos ensinam, sim, que há um limite para a bondade. Não são filmes fáceis...mas primordiais para portugueses e brasileiros dos dois extremos dos discursos. filmes que respeitam a TUA ou SUA inteligencia.

Unknown disse...

http://hi5.com/friend/group/3500726--13641802--Planeta%2BGaya--A%2Bviol%25C3%25AAncia%252C%2Btor--topic-html
(ontem mesmo antes desse tópico escrevi sobre isso nesse fórum)

Unknown disse...

sobre palavras, invenção de palavras, língua, etc, palavras portuguesas de origem latina e outras palavras formadas de outras origens ainda vou escrever aqui pq de linguistica eu entendo alguma coisinha...mas não sei pq...não tou com pressa....eheheheheeh

República dos Bananas disse...

Sinhazinha....Todas as razões que o mancha podesse ter, ou todas as opçoes que ele possa não ter tido, há uma que é inegável, uma que eu considero primordial e sem volta ou desculpa que se possa dar.
O SANDRO ASSALTOU UM AUTOCARRO CHEIO DE GENTE QUE COMO ELE VIVE AS DIFICULDADES DO DIA A DIA, ELE FOI PARA ROUBAR AQUELES QUE POUCO TÊM E QUE O GANHAM COM O SEU TRABALHO... já agora, ele podia fazer o mesmo; trabalhar; mas realmente é mais facil pegar numa pistola e assaltar os que já ganharam qualquer coisa com o seu trabalho. E tem outra coisa ainda pior....trabalhar cansa e é mal pago.
Pois é, eu não sou ninguém para dizer se o Sandro tinha ou não opções, mas sou tudo para dizer que a GEISA não teve qualquer opção....BRASILEIRO É MESMO PORTUGUÊS COM SOTAQUE DIFERENTE: desculpam o bandido, mas não têm uma palavra para a moça que teve o azar de estar no local errado na hora errada.

Anônimo disse...

Maldade, que quer dizer coisas como abuso dos outros, poder sobre outros, etc, achar que tem direito de tratar os outros como bem lhe entender, é sempre uma questão de realidade e limite. Realidade, pq em certas realidades e ambientes aparece gente ruim que nunca havia sido, até então. Gente que pagava seus impostos e contribuía para a sociedade. Guerra, por exemplo, é um campo fértil pra isso. Quantos crimes não são cometidos em guerras simplesmente pq as pessoas adquirem um poder que não tinham, ou por ideologia cretina? Aliás há muita gente ruim pagando impostos. E limite pq, por mais que uma criatura acredite em bondade, uma hora chega a seu limite. Mas reagir só não poderia ser considerado maldade, a não ser que a partir daí o que foi reação passa a ser gosto pelo poder, e abuso. Isso acontece o tempo todo. Não estou desculpando Sandro. Se os policiais tivessem atirado pra matar estariam com a razão.Como no outro caso, nenhuma diferença. Mas preocupados em ser na frente da televisão, mais do que eram realmente, fizeram uma lambança danada. Numa situação daquela, foi irresponsável e desastroso. Quanto à Geíza, vc tem razão, não tinha nada a ver com nada, e perdeu a vida. Acho que a discussão, só é, na verdade: Estamos numa realidade que facilita o aparecimento de Sandros? Muitas Geízas existirem é o que queremos, o nosso problema são os Sandros. É verdade, também que só aparecem os meninos ruins, e os decentes não estão na mídia. Por isso condeno a mídia sensacionalista. É impossível pra mim, dizer que a realidade não teve nada a ver com o que Sandro se tornou. Isso não é dizer que Sandro é coitadinho. Aliás, anos antes Sandro havia sobrevivido à chacina da Candelária, muita gente falou, chamou-o de coitadinho e passada a balbúrdia ninguém mais sabia o que havia acontecido com ele. Isso só piora as coisas na mente desses meninos, pq largados à propria sorte, só permanece a idéia da revolta, mas não da responsabilidade pelos próprios atos. Hipocrisia pura.
venus

República dos Bananas disse...

Outra coisa...
Eu estou perfeitamente lembrado da Candelária, não precisei de ver esse documentário para tomar conhecimento disso.
Uma sociedade funcionaria bem, se todos os profissionais das várias áreas fizessem bem o seu trabalho....os médicos tratarem bem as pessoas, os juizes julgarem bem, os vendedores não enganarem os clientes, essencialmente se os políticos forem honestos e sérios, mas muito mais, todos os profissionais de todas as áreas.
Assim, eu não compreendo como é que os polícias podem sair impunes desta situação do autocarro, é que quando mataram o Sandro, a situação já estava resolvida, isso parece uma vingançazinha, sentimento que uma polícia séria não pode ter. Já no caso da Candelária, lembro-me que houve uns quantos polícias levados a tribunal, só não sei quantas condenações houve, mas a impunidade é precisamente aquilo que está mal numa sociedade justa e de futuro.
TOLERÂNCIA ZERO, é o meu lema, mas tolerância zero com todos, começando no topo da piramide e vindo até aos Sandros deste mundo...é que a criminalidade pode ser mais visível e mediática com os crimes praticados por todos os Sandros, mas existe uma criminalidade que não só prejudica pessoas honestas, mas também mina os alicerces de qualquer estado que pretenda ser de direito, a criminalidade que chamamos "criminalidade de colarinho branco" praticada por aqueles que pagam a outros para sujar as mãos por eles, que participam em negócios e em tráficos ilegais.
Já agora aproveito para dizer que estou a pensar escrever umas linhas sobre uns documentários feitos em rusgas do BOPE a favelas; como deves saber, sei iiiimmmmmmmmeeeeeeeeeennnnnnnnnnnsssssssoooooooo sobre a criminalidade brasileira :-) assim, como o que sei se resume aos documentários que vi, o que vou escrever vai ser mais a minha opinião pessoal do que o meu conhecimento.

Anônimo disse...

Bem gostaria de comentar sobre o ensaio sobre a cegueira, eu li o livro e achei maravilhoso, ainda não tive oportunidade de ver o filme, mas espero ansiosamente.
Adorei o comentári do Arnaldo jabor, sou fã dele.

Aproveito para parabenizar por este blog, está muito bom mesmo!

Anônimo disse...

eu também gosto muito dele...bem, nem sempre concordo com tudo...mas esse é o ônus de quem ganha pelas próprias opiniões...olha, brasileira, notei que deixou comentários por aí...é bem vinda, volte sempre!
Vênus