A imprensa, a morte de Isabella e a comoção pública

quinta-feira, 17 de abril de 2008





Observatório da Imprensa


CASO ISABELLA NARDONI
De juristas, jornalistas e truísmos

Por Fábio de Oliveira Ribeiro em 8/4/2008



A misteriosa morte da garota Isabella Oliveira Nardoni – que teria caído ou sido jogada de uma janela – e a subseqüente cobertura da mídia despertaram a atenção dos especialistas. Em razão de a mídia enfatizar a culpa do principal suspeito, o caso Nardoni está sendo comparado ao da Escola de Base, em que os donos foram injustamente crucificados pela imprensa e posteriormente inocentados pelo Poder Judiciário [ver "Caso Isabella Nardoni é uma nova Escola Base?"].

O episódio mostra novamente que os juristas e os jornalistas não fazem o mesmo juízo de valor sobre as normas jurídicas e sobre os fatos. Quando se deparam com fatos possivelmente criminosos, os jornalistas se apressam. Os juristas, por sua vez, precisam manter-se calmos e pacientes.

Em seu livro Jornalismo e desinformação, o jornalista Leão Serva discorre sobre as limitações impostas ao jornalismo. "O jornalismo tem como matéria-prima o fato novo, desconhecido, que pode causar surpresa. E que por isso é confuso, incompreensível, caótico." Desta definição podemos inferir que, em razão de sua própria finalidade e característica, o jornalismo está fadado a mutilar a realidade e a história. Leão Serva deixa bem claro que, ao invés de procurar proporcionar ao leitor uma compreensão profunda dos fatos que enuncia, o jornalismo se preocupa apenas com a novidade. "A novidade é a alma do negócio da imprensa. Nessa busca pela novidade, mesmo velhos fatos devem aparecer vestidos de novos, maquiados para voltar a surpreender."

Conclusões apressadas

Ao contrário dos jornalistas, os juristas precisam sempre procurar ajustar os fatos às normas jurídicas que estão vigor no momento em que ocorreram. Mas mesmo quando pesquisam fatos, os juristas são obrigados a fazê-lo com respeito às normas básicas prescritas na Constituição Federal: os cidadãos têm direito à defesa, ao devido processo legal e aos meios de provas legítimos; todos são presumivelmente inocentes. Em razão de sua natureza e seriedade, o trabalho do jurista é necessariamente lento e cuidadoso.

Os jornalistas cavam novidades sobre a pressão do tempo. Os fatos de hoje se tornam velhos amanhã. O jornalismo vive de furos, de novidades e mesmo quando recorre às notícias requentadas procura dar-lhes alguma característica nova.

Quando se deparam com um fato que pode constituir um crime, em razão das limitações de sua profissão, os jornalistas são tentados a ignorar as normas jurídicas. Não é raro que tirem conclusões apressadas. Na melhor das hipóteses, nutrem a certeza inabalável de que todos os equívocos que cometerem hoje poderão ser desfeitos na edição de amanhã.

Excessos jornalísticos

O problema é que as conclusões apressadas se propagam. Em sua obra Sobre a televisão, Pierre Bourdieu nos dá um panorama bastante interessante sobre a circulação circular da informação. "Para os jornalistas, a leitura dos jornais é uma atividade indispensável e o clipping um instrumento de trabalho: para saber o que os outros disseram. Esse é um dos encanemos pelos quais se gera a homogeneidade dos produtos propostos." Segundo Bourdieu, nas "...equipes de redação, passa-se uma parte considerável do tempo falando de outros jornais e, em particular, do que ‘eles fizeram e que nós não fizemos’ (‘deixamos escapar isso!’) e que deveriam ter feito – sem discussão – porque eles fizeram." Esta atitude faria com que os jornalistas fiquem submetidos a um verdadeiro "...fechamento mental."

Os abusos que ocorreram no caso da Escola de Base (e que podem estar ocorrendo em relação aos Nardoni) podem ser creditados a este "fechamento mental" dos jornalistas. Se abstrairmos todas as conclusões jornalísticas que foram tiradas dos fatos que envolveram a morte de Isabella Oliveira Nardoni, a única coisa que se pode concluir é o seguinte:

1) a criança morreu em condições suspeitas.

2) a autoria do crime ainda é desconhecida e está sendo apurada pela autoridade competente.

Em razão de sua gravidade, os fatos que envolvem a tragédia serão obrigatoriamente apurados sob uma ótica jurídica. Isto será feito com ou sem a ajuda da imprensa. A imprensa pode até dizer que um suspeito é possivelmente ou provavelmente culpado (ou inocente), mas isto não deve e não pode influenciar o julgamento técnico-jurídico de um crime. Presumo que o grande público já sabe que os abusos da imprensa também podem acabar virando notícias. Mesmo assim, em razão do que tem ocorrido no caso Nardoni, nunca é demais repetir um truísmo: os jornalistas também respondem criminal e civilmente pelos excessos jornalísticos que eventualmente cometem.



http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=480JDB006


ISABELA NARDONI
Um caso para não esquecer


Por Alberto Dines em 14/4/2008

Publicado originalmente no Último Segundo, 11/4/2008

Horror íntimo ou vocação coletiva para envergar a toga? Catarse pessoal ou sumarização da justiça? Tragédia ou circo midiático? A morte da menina Isabella Nardoni toca na emoção do país inteiro, qualquer que seja a conclusão do inquérito.

O Brasil festeiro, erotizado, apressado, partidarizado e narcisado faz uma breve pausa para pensar. Pensar e sofrer, individuar-se e abandonar a manada equalizadora. Tal como aconteceu com o menino João Hélio, despedaçado nas ruas do Rio em fevereiro de 2007, uma criança incapaz de emitir mensagens cala a estupidez reinante e avisa que é hora de incomodar-se.

A dengue, a tremenda pressão mundial no preço dos alimentos, o narcotráfico, o genocídio no Sudão, a guerra religiosa no Iraque, a repressão chinesa no Tibete e o ódio solto no Oriente Médio certamente causarão a morte de milhares ou milhões de crianças pelo mundo afora.

Mas esta criança singularizada pela tragédia, subitamente emudecida por uma bestialidade insuspeitada, despertou nossa humanidade. Numa questão de horas, converteu em órfãos a imensa nação dos adultos.

Coração partido

Ninguém se importa com a prática do infanticídio em algumas tribos indígenas, defendida com empenho por antropólogos (Folha de S.Paulo, 6/4). A cada dez horas, uma criança é assassinada, o Ministério da Saúde contabiliza, em seis anos, 5.049 mortes de meninos e meninas até 14 anos (O Globo, 6/4). Normal. A pedofilia e a prostituição infantil são encaradas com naturalidade, parte da "vida moderna", incentiva o turismo.

A queda de Isabella deu um tranco nos bons costumes. Por alguns momentos sacudiu modos e modas. Ao contrário de João Hélio, seu companheiro de infortúnio e martírio, a menina não acionou nossa compulsão legiferante. Até agora não apareceu um político oportunista para propor alguma lei absurda contra tragédias.

Até mesmo a parvoíce das autoridades incapazes de compreender a questão do segredo de justiça ou as disparatadas suspeitas vocalizadas incessantemente pela mídia antes mesmo de investigadas não conseguem sobrepor-se à soturna perplexidade que, por milagre, infiltra-se nos espíritos.

Imunizada contra a solidariedade, desumanizada por um debate partidário que na realidade só responde à pergunta "o que é que eu ganho com isso?", a sociedade brasileira sempre se perfilou no bloco do "não-me-importa". Envergonha-se de exibir o coração partido, mas agora oferece sutis indícios de sensibilização.

Sentimentos contínuos

A dúvida sobre quem matou Isabella é tão dilacerante quanto a certeza de que alguém a matou. O filosófico e angustiante por quê? começa a equiparar-se ao policialesco quem?. Os enigmas serão desfeitos, culpados logo aparecerão – inevitável. A questão que deve permanecer e atazanar as almas e os espíritos relaciona-se com a mecânica da bestialidade. Desafio destinado a não consumar-se, exercício infindável, por isso salutar tanto para religiosos como para agnósticos, para céticos e idealistas, revolucionários e conservadores. Ignorar o animal que convive com o ser humano é próprio dos bárbaros.

Isabella é uma dolorosa oportunidade para questionamentos. Nações aturdidas, empurradas por sensações, são incapazes de maturar sentimentos contínuos, comprometidos com éticas espasmódicas.

A morte de Isabella é um caso para não esquecer e aguilhoar

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=480JDB014

2 comentários:

Anônimo disse...

Olha, realmente este blog é um achado. Você se expressa de acordo com meu pensamento, só que, com palavras mais amenas pois eu não seria tão sutil em meus textos para "agitar" a abertura dos olhos do povo. Mas quem quer abrir o olhos? Pois por mais textos tão impressionantes e coerentes como este, o que o povo quer, é ver sangue! Por isso que a mídia vende o que vende: Linxamento e sensacionalismo elevado ao cubo e às últimas conseqüências. Em cada pais a sua mídia vende o alimento do demônio (os piores temores ou os maiores prazeres) de sua população. Detrás de tanto espanto e tanta indignação, há ao mesmo tempo uma excitação deste mesmo animal (qual mencionas) que habita em todos nós. A diferença é que este animal sendo admitido e domesticado, se desenvolve numa pessoa em despertar de consciência, como eu, como você e muitos que estão despertando; quais temos esta percepção da realidade. Somos,(como na física) um agente externo.

Vejo você falando que é hora de de incomodar-se. Para mim já passou muito tempo da hora, pois tendo em conta que fui vítima do maltrato infantil em todos os sentidos(incluido o abuso sexual), não compartilho a opinião de que agora é o momento. Este momento já passou da hora, dos limites e de tudo mais. Agora no Brasil há uma "lei" contra isso, que no meu tempo não havia; Há também até um dia de reivindicação ao maltrato infantil que é o dia 18 de maio, curiosamente o dia do meu aniversário. No meu tempo o lema era: "pé de galinha não mata pinto"... Ir na delegacia e denucnciar um abuso infantil era perda de tempo, pois o delegado ria da criança, e prostituição infantil era normal. No caso as detidas e punidas eram as mesmas prostitutas "infantis" (que fugiram de casa e não tinham como comer ou trabalhavam para sustentar os irmãos orfãos e talvetz a própria família inteira incluido pai e mãe). Quando eram capturadas pela polícia ameaçadas de ser colocadas na FEBEM, ou espancadas, tinham que pagar um "boquete" para os políciais de turno, para poder voltar para a sua liberdade de ir e vir, pois cair na FEBEM era o pior que poderia acontecer. Dali só sairia morta, desequilibrada, ou marginal. Pelo menos na rua teria uma oportunidade...

Se impressiona? Sei do que estou falando... e estou me preparando para publicar algo sobre barabaridades esquecidas pelos "tempos modernos", quais presenciei, senti na pele e na alma... porém, tudo que é esquecido está condenado a repetir-se, já disse o filósofo.
Falando de mais desgraças não esqueçamos casos tão antigos e aberrantes como o caso da menina Araceli (1976) ou caso Claudia Lessin Rodrigues (1977) por exemplo, famosos pela mídia da época, e pela crueldade dos assassinos. Naquele tempo o povo também se indignou, mas mais de um queria ouvir atentamente os detalhes "excitantes" da crueldade dos assassinos, já que eram crimes sexuais. Até meus pervertidos e violêntos "pais" comentavam vendo o Fantástico ou o Globo Reporter: "Que barbariade! Como são capazes de fazer uma coisa dessas com a menina???" ¬¬ Lembro como se fosse hoje mesmo sendo uma criancinha, pois tenho a memória previlegiada.

Estamos passando do tempo... A violência no Brasil é notícia no mundo inteiro, como também é notícia certa tolerância e afinidade dos brasileiros à mesma violência, e desde que o Brasil é Brasil. Ou seja, uma autêntica nauseabunda vergonha!

Fantático o teu texto.
Um forte abraço.

Unknown disse...

obrigada, andreia, mas esse texto não é meu.

o outro que vc elogiou, sim.

esse texto é de Alberto Dines que vc pode ver em "O Observatório da Imprensa" na cultura, se não me engano 23:OO, às terças.
Adorei seu blog
Bjos