Mostrando postagens com marcador imigração. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador imigração. Mostrar todas as postagens

De volta...

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Bem...vamos lá....
Sempre me interessou falar de seres humanos, estejam eles onde estiverem, e dessa interação de seres humanos com a tal REALIDADE, que pra alguns pode significar a quantidade de pessoas que simplesmente morrerão de fome hoje, a concessão que talvez precisemos fazer para nos mantermos em certas posições na vida, no trabalho, quando na verdade nossa alma gostaria de outras atitudes... decepções...desilusões... coisas assim, que se forem se tornando todo o nosso molde, vão nos deixando cada vez mais cínicos, com menos alma, espontaneidade, e menos brilho, e etc...etc...
Eu associo a noção de realidade a fatos como os de que o dinheiro manda, de que não conseguimos por mais que todo o mundo pareça disposto a isso, no discurso, ao menos garantir que ninguém nesse mundo precisasse passar fome. Eu associo a noção de realidade ao fato de que todos nós em contato com ela já experimentamos ou experimentaremos a terrível sensação de sermos fracos, covardes, egoístas....
Eu observo as pessoas e vejo essa dança entre ideais e realidade e acho lindo....Aliás acho que é a única coisa que nos salva, quando realmente, não para obtermos uma imagem, não pela interação com o mundo, mas por nós mesmos, pelo nosso respeito próprio conseguimos ter uma atitude ética e decente, a despeito do que a realidade injusta e covarde nos diz.
Então sempre que estou falando de humanidade e pessoas eu estou pensando nesse complexo ESTAR NO MUNDO e EXISTIR; sendo isso pra alguém que já nasça com mil cobranças, com um existir já preparado por outros, ou alguém com mil possibilidades à sua disposição. Pra alguém que nasça com os muitos limites da pobreza ou aquele com mais escolhas...
É isso que está sempre guiando o que penso, quando comento sobre europeus neuróticos com a imigração, ou brasileiros revoltados, africanos e etc....
Talvez por pensar sempre em seres humanos eu consiga ver os muitos defeitos e qualidades neles independentemente de sua conta bancária ou país de origem.
O República falou sobre Portugal, sobre as dificuldades, e imagino que não seja fácil, como não é aqui.
Mas a realidade é sempre uma quadro que pintamos, e como qualquer quadro, sempre fica algo de fora, sendo também uma tentativa de captar um momento que sempre será simplesmente um momento, mesmo que estejamos falando de um momento histórico; é sempre um momento esperando um sem número de ações possíveis sobre ele.
Sobre portugueses maltratados....
Quando eu condeno o discurso de vítima, repetido e reiterado, até que, um ser humano que o traz sempre junto com ele começa a confundi-lo com parte de sua identidade, justificando mil outras atitudes; eu estou me referindo a essa possibilidade tão humana e tão usada em todas as raças cores e credos. Se eu o rejeito entre brasileiros também vou rejeitá-lo entre portugueses que com esse discurso de serem maltrados por estrangeiros, maltratam.
Por aqui só se fala do grande conflito Israel – Palestina , e pensando nesse discurso de vítima , nós podemos olhar esse conflito como algo distante, ou pensar que, como seres humanos estamos sempre sujeitos a desastres parecidos. Esse é um conflito que tem de um lado os judeus, vítimas históricas incontestáveis ...não? Mas o poder que os judeus têm hoje, o medo, o acreditar que têm toda a verdade do seu lado, e pronto; aparecem a partir daí as mil facetas humanas...Entram nessa de achar que acabarão com o ódio à força, porque afinal, estão com a razão. Isso pra nem falar do outro lado.
É muito fácil cometer os mesmos erros assim que começamos a achar que isso seria impossível para nós, porque somos os bonzinhos, e, afinal de contas, as vítimas.
A história da humanidade está repleta disso. Grandes revolucionários se tornando ditadores, grandes sonhos se tornando terríveis injustiças. E a primeira condição para isso, (teoria minha), é simplesmente nos esquecermos do nosso lado terrível. Não, não estou aqui fazendo um discurso religioso, aliás as religiões são um bom exemplo de como essa noção de estar com o bem e a verdade absolutos pode ser um grande desastre.
Eu já fui maltratada por portugueses e tinha a opção de repassar o preconceito e ódio ou fazer um blog como esse. E essa opção não foi para “ser legalzinha”. Foi simplesmente uma opção por mim mesma, pelo melhor de mim. Com esse blog só consegui entender um pouco mais a neurose e me conectar com muitas, muitas, pessoas ótimas. Tudo por uma pequena atitude positiva. Então sempre a recomendo.
Sobre humor.
Diz-se que o grande humorista é aquele que consegue perceber o ridículo da REALIDADE, aquela mesma, sobre a qual falei acima. É claro que nosso humor não comporta falarmos da fome mundial, mas situações mais “leves” como esta outra citada, as humilhações nossas de cada dia, em geral, rendem grandes risadas.
O grande problema é que em relação aos negros não me pareceu ter nada a ver com minha realidade, pareceu mais uma caricatura.
Só pra ilustrar. Minha origem é a classe C, como dizemos aqui. Ninguém da minha família passava fome, mas não muito mais que isso. E dali, de onde eu vim, posso dizer que tive contato com negros ao longo da minha vida mais ou menos educados (em ambos os sentidos, de polidez e acadêmico) que qualquer outro branco com quem eu convivesse, aliás, alguns com condições econômicas melhores que as minhas, na ocasião.
Então pra mim não fez mesmo sentido, e a sensação foi de um estereótipo muito primário, até poderia usar o termo ”antigo”. Eu poderia falar de outros estereótipos que poderiam ser usados aqui, como o sambista, o rapper, mas geralmente não acho muita graça em estereótipos. O vídeo do “politicamente correto”, que substituiu os anteriores, esse sim, achei bem engraçado, e se o conhecesse, é bem capaz que já o tivesse usado por aqui. Então, pra fechar o ponto de vista sobre a sua questão ético-filosófica (usei esse termo só pra lembrar uma discussão do passado...eheheeh) sobre os limites do humor, eu não sei se teria algo mais a dizer... sempre achei que pra mim era uma questão de colocar simplesmente meu ponto de vista como brasileira, não mais que isso. Mas é possivel dizer que a ética pessoal, e não a censura dos outros é o que deve regular a nossa existência, não algo negativo, mas a opção pelo melhor de nós mesmos, e isso cada um de nós sabe o que significa.

Balada de Gisberta

quinta-feira, 18 de setembro de 2008



aprendi mais uma com essa contribuição de um português.

...Uma homenagem a todos os portugueses que conseguem olhar para o outro, com humanidade...em meio à competitividade, às asperezas diárias e ao "salve-se quem puder"...

Perdi-me do nome, hoje podes chamar-me de tua.
Dancei em palácios, hoje danço na rua.
Vesti-me de sonhos, hoje visto as bermas da estrada,
De que serve voltar quando se volta par´o nada.
Eu não sei se um anjo me chama,eu não sei dos mil homens na cama...
e o céu não pode esperar.

Eu não sei se a noite me leva... eu não ouço o meu grito na treva,
e o fim vem-me buscar.

Sambei na avenida,no escuro fui porta-estandarte,
Apagaram-se as luzes, é o futuro que parte.

Escrevi o desejo,corações que já esqueci,

Com sedas matei e com ferros morri.

Trouxe pouco, levo menos,

E a distância até ao fundo é tão pequena,
No fundo, é tão pequena, a queda.

E o amor é tão longe...o amor é tão longe...
E a dor é tão perto.
Composição: (Pedro Abrunhosa)

O medo de perder....

quarta-feira, 2 de julho de 2008


Ontem o presidente Lula falou mais uma vez sobre as novas regras de imigração na Europa, o cerco cada vez mais fechado aos imigrantes ilegais, e até candidatos a legais.
Há uma certa revolta da parte de cá, levando em conta que quando a Europa passava por sérias crises finaceiras, recebemos imigrantes de braços abertos.
Há verdade e não verdade em argumentos assim. É verdade que o Brasil tem essa vocação de abrigar outras culturas e estrangeiros com menor indice de rejeição na média mundial.
Mas ainda não experimentamos o que é ser sonho de consumo no mundo. Quando éramos destino de tantos imigrantes, precisávamos deles, os requisitamos.
E essa história de que imigrantes fazem mal é só até a segunda página, não dá para se viver num mundo de hoje, isolados, com altos salários, e impor a um mundo menos desenvolvido seus produtos caros. Se isso já foi possível, está cada vez menos.
Mas o que define decisões como a da União Européia, não é problema de franceses, italianos, espanhóis ou portugueses, é um problema humano.
E sendo humano, dependendo da situação existente, aparece em qualquer lugar, até na Africa, que dias atrás apresentava negros de uma certa região revoltados com os emigrantes de outra região do continente.
E aparece aqui.
Nós humanos morremos de medo, essa é a verdade.
Achamos muito lindo mandar umas doações à Africa, para aqueles famintos sem perspectiva, mas que eles não venham nos encarar em nossa esquina.
A MAIORIA DE NÓS É ASSIM.
Dizemos que morremos de tédio, que nossa vida não tem muito sentido, mas que ninguém venha roubar nossa tv de plasma ou nosso emprego.
E essa angústia ?
Basta passarmos uns dias numa favela, ou se europeu, ou norte americano,viajarmos a um país de terceiro mundo.
Voltamos à nossa vida achando que as coisas não são tão ruins assim, que somos é privilegiados, até o próximo mês, quando a angústia retorna.
O problema é que o emprego, o conforto, a tv de plasma, sempre aplacam a angústia só temporariamente.
Não podem ser o centro da existência. Uma vida dividindo com os que não tem muitas vezes também não é o nirvana. Estão aí as cartas de Madre Teresa de Calcutá para comprovar.
A angústia, o medo, o apego, são inerentes aos seres humanos.
No fundo, no fundo, somos todos covardes.
Então não tentemos dar outras desculpas ao nosso medo. Temos medo, e pronto. São poucos os que não têm.
Porque desconfiamos que essa existência, mesmo mesquinha, pode ser tudo que temos. Então que ninguém venha piorar mais as coisas!!!

Quando a crença é um mal....

segunda-feira, 22 de outubro de 2007


Após descarregar toda a munição da pistola no cineasta Theo van Gogh, o fundamentalista islâmico Mohammed Bouyeri aproximou-se da vítima. Ajoelhado numa rua de Amsterdã, Van Gogh murmurou: "Tem certeza de que não podemos conversar?". O assassino cortou-lhe a jugular com uma faca de açougueiro e, com outra, espetou no cadáver uma carta endereçada à holandesa de origem somali Ayaan Hirsi Ali: "A próxima será você". Ayaan é parlamentar em seu país e roteirista de Submissão – Parte I, o curta-metragem de Van Gogh sobre a repressão sofrida pelas mulheres no Islã. Esse é um assunto que ela conhece bem. Aos 5 anos, sofreu excisão do clitóris. Aos 22, fugiu de um casamento arranjado com o primo pelo pai. Refugiada na Holanda, trabalhou como tradutora nos centros sociais para imigrantes e foi brilhante universitária de ciências políticas. Na semana passada, sete meses depois da ameaça de morte, Ayaan, uma negra longilínea de 35 anos, desceu de um carro blindado numa ruela de Paris. Escoltada por seis guarda-costas, falou com exclusividade a VEJA sobre sua renúncia ao islamismo, sobre fundamentalismo e sobre seu encontro com outra célebre vítima da violência religiosa, o escritor britânico Salman Rushdie (tema da reportagem especial desta edição).
Veja – Por que seus inimigos preferem a ameaça de morte ao debate de idéias?Ayaan – A razão é simples: eles não têm nenhum argumento lógico para opor aos meus. Usam o instrumento dos perdedores, a intimidação. Num debate, eles sabem de antemão que seriam derrotados. O assassinato bárbaro de Theo van Gogh pretendeu mostrar o fim de quem ousa criticar o Islã. Enganaram-se. A dor da perda reforçou minha certeza. Essa gente deve ser confrontada. A tarefa dispensa o medo da controvérsia. O combate contra eles começa com a palavra.
Veja – Qual é o problema com o Islã?Ayaan – O problema é o Corão e o profeta Maomé. É a mensagem à qual está sujeito 1,2 bilhão de indivíduos no mundo. O Islã não é só uma religião, mas uma civilização. Seu aspecto político e social, regido por códigos severos, contém sementes fascistas. É um sistema que espolia as liberdades do indivíduo e intervém na sua privacidade sem admitir ser contestado. Nenhum muçulmano é livre para questionar a sua crença religiosa. Ao contrário da Bíblia e do Talmude, livros sagrados dos monoteísmos abraâmicos semelhantes ao islamismo, qualquer exegese do Corão é inadmissível. Os muçulmanos devem crer, cegamente. Eu aprendi a decorar o Corão desde a infância, posso recitar suras inteiras. Algumas delas servem para justificar a violência, liberar a consciência dos seus autores e também dos observadores passivos. Segundo o livro sagrado do islamismo, os fiéis devem aspirar, em permanência, ao conhecimento. O mesmo livro diz que Alá sabe tudo. Toda fonte de conhecimento está contida no Corão. Pergunto, como conciliar as duas exigências? Qualquer comunidade que vive segundo os preceitos de Maomé e do Corão torna-se patológica.
Veja – Numa entrevista, a senhora qualificou o profeta Maomé de tirano e perverso. Por que pensa assim?Ayaan – Disse isso e não nego, nem me arrependo. O calendário marca o ano de 2005, mas os fundamentalistas islâmicos exigem dos muçulmanos imitação perfeita de um comportamento tribal de 2.000 anos atrás. Maomé, o guia infalível, disse haver uma só verdade, e em seu nome revogou toda liberdade. Era um tirano, sim. Maomé seduziu e violou Zainab, a mulher de um pupilo. Isso não é perverso? Permita-me ir além. O profeta casou-se com Aisha, uma menina de 9 anos, filha do seu melhor amigo. Ele não esperou nem a criança atingir a puberdade, apesar da súplica paterna, para pedir a sua mão em casamento. Aisha foi prometida aos 6 anos de idade. Hoje no Irã, casamentos desse tipo são perfeitamente legais, freqüentes. Alguns muçulmanos reivindicam poder emular, sem entraves, esse modelo de moralidade. Trata-se de pedofilia pura. Na Holanda, Maomé seria levado pela polícia às barras de um tribunal.
Veja – Qual a diferença entre os fundamentalistas das diversas religiões?Ayaan – Em teoria, nada diferencia um fanático cristão ou judeu de um fanático muçulmano. Na prática, eles se sentem mais à vontade no Islã.
Veja – Por quê?Ayaan – Além de encontrar justificativa religiosa farta, a crítica dos membros de sua própria crença é quase nula. Quando o papa se posiciona contra o uso de contraceptivos, católicos do mundo inteiro contestam sem sofrer represálias. A cantora Madonna desperta antipatia em puritanos com a canção Like a Prayer, mas sua cabeça não está a prêmio. Ninguém degolou os humoristas do Monty Python por ter realizado o filme A Vida de Brian, uma sátira sobre Jesus Cristo exibida no mundo todo. Esse espaço de tolerância não existe no mapa do Islã, mesmo que muito almejado em silêncio. O Islã está como o pai do terrorista Mohamed Atta depois dos atentados de 11 de setembro de 2001. Traumatizado, desamparado, cego. "Meu filho não tem nada a ver com isso. Foi obra da CIA, dos judeus!" O pai não se deu conta da parte maléfica do filho. Recuso que uma religião, outrora pacífica, plena de força e energia, tenha no seu âmago o fanatismo e a violência.
Veja – Como a senhora descreve a situação das mulheres no Islã?Ayaan – Numa cena do curta-metragem Submissão – Parte I, a câmera mostra o corpo da personagem Zainab, espancada pelo marido. Zainab está coberta por hematomas, feridas, cicatrizes e pelos versos do Corão que autorizam o marido a bater, caso ele julgue a esposa desobediente. Os fundamentalistas islâmicos ficaram irados ao ver os versos sagrados escritos no corpo de uma mulher. O resto, para eles, é normal. Tive um professor que me obrigava a escrever versos do Corão em tabulários. Um hábito em desuso desde o século XVI. Um dia, recusei-me a obedecer. Ele me vendou os olhos, levei uma surra até conseguir me livrar da venda. Encolerizado, ele me pegou pelos cabelos e bateu minha cabeça contra um muro. Desmaiei.
Veja – Como a platéia não religiosa respondeu ao filme?Ayaan – De forma positiva, mas eu esperava uma dose maior de indignação dos liberais laicos, intelectuais e políticos da esquerda. O pessoal que acha ter o monopólio dos bons sentimentos. Na verdade, eles padecem do velho paradoxo da Revolução Francesa, que promoveu os direitos humanos em casa, mas manteve a escravidão nas colônias. Em nome da convivência multicultural, do respeito às tradições de outrem, esses intelectuais do Ocidente hesitam em colocar em evidência a situação subjugada da mulher dentro do Islã. Eles têm receio de ofender, de suscitar cólera, e assim ajudam a perpetuar o sofrimento e a injustiça. Ora, aqui não cabem relativismos. Abuso e mutilação sexual são crimes, e ponto final. Hoje, agora, já! Tampouco deve ser tolerado o assédio, a perseguição da qual são vítimas os homossexuais muçulmanos. Os ocidentais não podem fazer vista grossa nem calar, como já fizeram durante a existência dos gulags soviéticos. O Islã não viveu o Iluminismo. As sociedades islâmicas enfrentam os mesmos problemas do cristianismo anterior ao século XVIII. Ainda não se estabeleceu o justo equilíbrio entre razão e religião.
Veja – O que é a "obsessão do hímen", uma expressão que a senhora utiliza com freqüência?Ayaan – No Islã, moças sem hímen intacto são consideradas "objetos usados". Muitas jovens, ao perder a virgindade, vêm para a Europa submeter-se a cirurgias reparatórias. Na Holanda, até bem pouco tempo atrás, em respeito ao multiculturalismo as imigrantes muçulmanas eram reembolsadas pela seguridade social. Aos 5 anos, fui submetida à clitorectomia, uma prática encorajada pelos clérigos islâmicos. Essa é a maneira extrema de garantir a virgindade antes do casamento. Na falta de uma mulher disponível, a minha excisão foi feita por um homem. Relatórios da ONU revelam que 98% das meninas na Somália são submetidas à excisão do clitóris. Os outros 2% são a margem de erro.
Veja – Pode haver convivência pacifica entre o Islã e o Ocidente?Ayaan – Espero que sim. No entanto, posso afirmar sem equívoco, o Islã atual é incompatível com o estado de direito das democracias ocidentais. A sobrevivência das democracias ocidentais depende da sua vitalidade em defender os valores liberais. A escolha que o século XXI oferece aos muçulmanos é clara: modernidade ou regime tribal. Eu proponho às comunidades islâmicas fazer uma reflexão crítica da sua doutrina religiosa, a exemplo dos fiéis de todas as grandes religiões. Se dizem que é preciso rezar cinco vezes ao dia, vamos demonstrar, empiricamente, que isso é impraticável no âmbito de uma vida moderna. Eu proponho às comunidades islâmicas reter a espada que corta a cabeça de quem pensa por si mesmo. Onde não se pode criticar, todos os elogios são suspeitos. Caso eu estivesse num país muçulmano, já estaria morta. É do interesse tanto do mundo ocidental quanto do mundo islâmico promover a crítica entre os muçulmanos. Enfrentar o fundamentalismo é um objetivo comum.
Veja – Como foi seu encontro com o escritor britânico Salman Rushdie, que também teve de viver escondido por causa de ameaças religiosas?Ayaan – Trocamos impressões sobre a vida cativa. Ela coloca em risco pessoas próximas e, devido a isso, inibe até iniciar relacionamentos amorosos. Ele me aconselhou a seguir firme em frente, sem deixar que essa situação me enlouqueça. Ambos sabemos que haverá sempre um fanático em nosso encalço. Eu relatei a ele uma história da minha juventude. Quando o aiatolá Khomeini emitiu um fatwa contra Rushdie, eu era uma estudante devota da Escola Secundária de Meninas Muçulmanas de Nairóbi, no Quênia. Eu e minhas colegas ficamos, imediatamente, solidárias com o líder iraniano que tomava a defesa do sagrado Corão e punia o autor de um romance, suposta blasfêmia contra o profeta Maomé, nosso venerável guia. O fato vinha corroborar nosso aprendizado diário, a indignidade dos kafirs, os infiéis, os não muçulmanos. A primeira coisa que veio a minha cabeça foi: "Esse Rushdie deve ser morto".
Veja – O que ele disse?Ayaan – Rushdie sorriu. Foi gentil ao lembrar que, na época, eu era apenas uma garota.
Veja – Por que a senhora propõe fechar as escolas muçulmanas na Holanda?Ayaan – Os professores das escolas muçulmanas holandesas ensinam a ser hostil às leis do país. Dizem aos seus alunos: "Nós vivemos na terra do inimigo, somos subjugados pelas leis dele. A lei suprema é a vontade de Alá, revelada pelo arcanjo Gabriel a Maomé, transcrita no Corão". Esses estabelecimentos de ensino público recebem ajuda do governo. Não, não e não! A escola deve ser um lugar neutro, com o objetivo de preparar os alunos para a vida numa sociedade sintonizada com seu tempo, fundada no espírito crítico e no ensino da cidadania. Os holandeses, que vivem em um dos países mais tolerantes da Europa, ficam exasperados de ver, em manifestações de rua, jovens muçulmanos holandeses gritando "Hamas, Hamas! Judeus para a câmara de gás!".
Veja – A Turquia deve ser aceita como integrante da União Européia?Ayaan – Sim, desde que o governo turco implemente, durante o período de candidatura, as medidas exigidas pela União. Elas beneficiarão os turcos em geral e, em particular, as mulheres muçulmanas, que terão seus direitos mais bem respaldados. Já se percebem alguns passos tímidos nessa direção. A questão geográfica, se a Turquia pertence ou não à Europa, é hipócrita. Por trás dela estão o preconceito da extrema direita nacionalista européia e o medo da competição de mercado que atormenta os partidos da esquerda demagógica. A objeção geográfica nunca foi apresentada quando convidaram a Turquia para ingressar na Otan. Negar a inclusão da Turquia reforçaria a posição dos fundamentalistas muçulmanos turcos. Trava-se atualmente uma batalha de corações e mentes contra o islamismo político. Veja os efeitos catastróficos da tortura a que soldados americanos submeteram os prisioneiros iraquianos da penitenciária de Abu Ghraib. Os fundamentalistas acharam ótimo.
Veja – Líderes das comunidades muçulmanas européias a acusam de projetar uma experiência de vida traumática sobre um grupo inteiro. Aceita essa crítica?Ayaan – Isso é uma estratégia conhecida para desviar-se da verdadeira questão: o Islã quer ir para a frente ou para trás?
Veja – A senhora abandonou a sua religião, tornou-se apóstata. Mas, se um dia encontrasse com Deus, o que gostaria de ouvir dele?Ayaan – Você é verdadeira.