"Espera-se honestidade e ética de qualquer governante ou pessoa pública - ou motorista, médico ou manicure. Um comportamento moral generalizado é um requisito mínimo para a convivência, com ligeiros ajustes para a hipocrisia social. Mas, como tudo na vida, o conceito de moral é relativo. Uma questão de perspectiva. Você pode viver no país mais imoral do mundo, nascer e viver em meio à injustiça mais obcena e à miséria mais pornográfica, sem se dar conta disso - e se escandalizar com cenas de sexo na TV. A imoralidade endêmica brasileira nem exige que a gente viva em permanente estado de indignação, o que até impossibilitaria a vida, nem absolve imoralidades menores a ponto de nada nos indignar.
(...)
O objetivo do moralismo não é, necessariamente, a moralidade. Como colesterol, existe moralismo ruim, e moralismo bom, com efeitos diferentes no organismo nacional, com perdão da metáfora médica prolongada. O moralismo pode ser um mau conselheiro político. Já foi em muitos momentos da nossa história. Ajudou a eleger o jânio Quadros, que iria varrer toda a sujeira deixada pelo governo do Juscelino, e cuja renúncia inaugurou um dos piores períodos da nossa vida institucional. Culminando com o golpe militar de 64 , que também nasceu do moralismo, ou da cooptação de valores cristãos ameaçados pelo demônio vermelho. Foi o moralismo que elegeu o Collor, para acabar com a pouca - vergonha dos marajás do serviço público. O moralismo mal usado tem um prontuárioa quase maior do que o da corrupção na História destes últimos 60 anos.
O bom moralismo é um traço reincidente e surpreende no eleitorado de um país que gosta de se autocaracterizar como a terra do jeitinho e da malandragem. o pior moralismo é o oportunista, para uso de acordo com a conveniencia política. O fato de as denúncias de corrupção do governo Lula não estarem aparentemente, afetando o julgamento da maioria dos eleitores, sugere uma de duas coisas, dois pontos. Ou o moralismo já não tem o poder político que tinha nas nossas eleições (suspiros de alívio ou de decepção à vontade), ou os eleitores declarados do Lula estão sabendo distinguir o moralismo de ocasião, cujo objetivo é tudo menos a moralidade, do moralismo legítimo. Ou, claro estão votando contra a imoralidade maior."
Luís Fernando Veríssimo. - O Estado de São Paulo - 7/09/2006
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